Os últimos de nós

Quando acesso uma plataforma de streaming e me é recomendada a badalada série The Last Of Us (Os Últimos de Nós), eu hesito. Prometi nunca mais assistir a qualquer coisa relacionada a zumbis. Vejo o trailer e deixo o algoritmo me vencer novamente – ele sabe do que eu gosto. Perco mais algumas horas da minha vida com os primeiros episódios, mas não me arrependo. Eu perderia essas mesmas horas assistindo vídeos curtos no Tik Tok.

A novidade da série é que a culpa das pessoas terem apetite por cérebros é de um fungo. Em um cenário apocalíptico, os fungos estão nas pessoas infectadas e no próprio solo, possuindo um mecanismo de conexão onde um único infectado pode atrair uma horda de inimigos para caçar os que ainda possuem algum tipo de consciência. Para os que sobrevivem, resta o isolamento.

Os produtores perderam uma excelente oportunidade de chamarem esse fungo de Twitter.

Afinal, são através das redes sociais que os nossos zumbis se conectam, comunicam-se e infectam outras pessoas. Podemos receber um vídeo em um grupo de WhatsApp e, logo depois, nos juntar a um movimento que alega haver uma cabala secreta, formada por adoradores do Satanás, pedófilos e canibais, que dirige uma rede global de tráfico sexual infantil (essa é a definição na Wikipedia para o movimento QAnon, que, de acordo com uma pesquisa feita em 2021 pela Public Religion Research Institute, um em cada cinco americanos acredita.).

Isso acontece porque, além de criarem a conexão, algumas plataformas são como fungos parasitas. Usam seus famigerados algoritmos que retiram de seus usuários as informações necessárias para seu desenvolvimento. Por exemplo, se nutrimos alguma curiosidade por ataques terroristas, o YouTube usa sua base de conhecimento acumulado e recomenda vídeos do Estado Islâmico. Finalmente, podemos não querer mais perseguir conspiradores satânicos, mas explodir restaurantes em Paris.

Os algoritmos priorizam resultados que estão de acordo com nossa visão de mundo, ignorando aqueles que nos desafiam. A despeito de mantermos a mente aberta e considerarmos opiniões alternativas, as plataformas afunilam o que de fato veremos. Com o excesso de informações, tomamos atalhos cognitivos e não exploramos completamente uma ideia ou aprofundamos um pensamento. Começamos a acreditar em teorias pouco plausíveis e as defendemos a qualquer custo. Esse é o estágio avançado da infecção.

Para os últimos de nós, há esperança. De acordo com a seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações dos Estados Unidos, os provedores de serviços de internet desfrutam de imunidade legal pelo conteúdo que publicam porque, de acordo com ela, eles não podem ser considerados como “porta-vozes” do que é publicado por terceiros. Isso foi pensando quando a Internet era apenas mais um meio de comunicação e tem sido usado para isentar as empresas de tecnologia da responsabilidade sobre o conteúdo sugerido pelos seus algoritmos. Mas debates jurídicos estão acontecendo e podem mudar essa realidade.

Enquanto isso não acontece, temos que pensar em uma vacina para que essa infecção não se espalhe. Como sugere Daniel Levitin em “A mente organizada” (Objetiva, 2015): “Precisamos ensinar nossos filhos como avaliar a informação e como discernir o que é verdade do que não é. Treinar um conjunto de capacidades mentais que giram em torno do pensamento crítico. É crucial que cada um de nós assuma a responsabilidade de verificar a informação que encontra, testando-a e avaliando-a”.

O desafio agora é fazer as pessoas acreditarem nessa vacina.

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